Sunday, May 3, 2015

É ?masculino?, dizem-me


Tomava um café, com amigos, na esplanada da Graça. Numa mesa ao nosso lado três bonitas portuguesas. Passam duas exuberantes espanholas. Conversam no balcão quatro fatais italianas. Bebem limonadas inglesas vitorianas. Cantam bons-dias bronzeadas brasileiras. Ri estridentemente uma cabo-verdiana. As cabeças dos meus acompanhantes masculinos vão-se voltando, em vertiginosos torcicolos. - Ai que chatice, parem lá com isso que não se consegue conversar! - protesto enciumada. Mas é “masculino”, dizem-me: - Ah! O que foi? O teu namorado não olha para outras mulheres? - ...?! A primeira vez que visitei um país islâmico fiquei espantada com a quantidade de mulheres que usam o véu. Não só no interior, nas aldeias, neste ou naquele estrato social, mas em todo o lado. Mesmo nas grandes cidades, as cabeças femininas descobertas contam-se pelos dedos de uma mão. Como conseguiram convencer tantas pessoas a tapar o corpo, os cabelos, muitas vezes todo o rosto e não raramente os olhos? O Cairo por exemplo tem 18 milhões de habitantes, como é possível? Caminho pelas ruas vestida com “modéstia”, como aconselha o corão (nunca hei-de compreender as mulheres que de férias, seja qual for o destino, clima ou cultura se passeiam de calções), mas os meus cabelos são ofensivos. Visito uma mesquita na Jordânia, na entrada encontro uma mulher vestida com uma burqa azul noite, olhos pintados de preto, dramáticos. Olhamo-nos, o nosso encontro é fugaz, interrompido pelo marido que a repreende, ela volta-se de imediato, desaparece pela mesquita, a beleza esvoaçando nos panos que a seguem. Numa rua de Damasco beijo Telmo na testa, sou insultada por um homem que passa. No mar vermelho sou observada, nalgumas mesquitas proibida de entrar. E por todos os homens a quem Telmo se dirige, sou ignorada. Não é raro e nem assim tão estranho que o egípcio que cobra entradas no museu, conduz o taxi, é dono da loja ou vende souvenirs na rua proponha preços e mulheres como moeda de troca. E com o já clássico: «quantos camelos pela tua mulher?» brincam com o ocidental, que sorri, na cumplicidade do sangue. É “masculino”, dizem-me. Na fronteira do Sudão pergunta o oficial: «Esta é sua mulher? Não está mal, eu tenho três!» E no Sudeste da Tanzânia, «Nós aqui não somos muito rígidos com o Corão, eu, por exemplo tenho sete mulheres (em vez das quatro permitidas).» À entrada de um museu no Egipto, Telmo ausenta-se por um minuto, o grupo de homens que hà pouco saudou respeitosamente agora avança para mim, a cuspir caroços de tâmaras: Hi! Tal como a nossa visão dos muçulmanos é muitas vezes deturpada pelo que vemos nos noticiários, a visão que por aqui têm das ocidentais é mais ou menos a que vende o cinema americano. Comenta um Tanzanino numa rua de Zanzibar: - Sabes que se eu sair de casa para ir namorar outra mulher tenho de dizer à minha esposa e ela pode dizer que não!? - responde Telmo - - Pois... compreendo o teu problema, mas eu para fazer isso no meu país teria de me divorciar. E numa pequena aldeia do Cazaquistão os jovens perguntam mais: - É verdade que no vosso país podem por exemplo estar com duas mulheres ao mesmo tempo, na cama? - Sim... mas é complicado sabes, tem toda a gente de querer... Na Turquia à entrada de um Hamman (banho) os homens olham-me com desprezo, e quando entro na zona mista de enorme piscina e bancos de mármore, todos abandonam a sala. Na Tanzânia os indianos convidam Telmo para fumar shisha, as mulheres não estão presentes, chama-me: - Anda para perto de mim, eles são muçulmanos mas eu não sou. - sento-me. Conversam, o tabaco é perfumado, num dos muitos cortes de energia aproveito para provar o sabor adocicado, a luz volta e sou apanhada em flagrante. Não mais tocam no cachimbo de água. Sentados numa esplanada no Cairo a comer felafel conversamos com um casal de amigos egípcios. Passa um grupo de mulheres, o olhar dele acompanha-as: - Estou a ficar velho, Telmo, tenho de me casar outra vez. Olho-o, sem palavras. Ela baixa os olhos no véu cor de mel. Bom, aqui é normal - penso para mim. Observo-a melhor e não parece normal. Reconheço a mágoa, a desilusão, o ciúme - os mesmos sentimentos que imagino em mim. Não diz nada. Eu também não, nem saberia como comentar esta “desproposta” de casamento. Baixo com ela os olhos, sorrio sem razão. «Os homens têm autoridade sobre as mulheres porque Deus os fez superiores a elas e porque gastam de suas posses para sustentá-las. As boas esposas são obedientes e guardam a sua virtude conforme Deus estabeleceu. Aquelas de quem temeis a rebelião, exortai-as, bani-as da vossa cama e batei nelas. Deus é grande.» 4:34* (Alcorão) Vamos tomar chá a casa dos nossos amigos, ela mostra-me o quarto do casal e, quando compõe o véu, os cabelos. Cabelos longos, escuros, fortes, brilhantes. Cabelos valiosos como tesouros guardados apenas para o seu rei. Olho para os meus cabelos soltos, parecem tão banais. Penso no que sentirão estes homens quando lhes são revelados os segredos - não falo das outras exclusividades do marido que até pela Europa ainda são moda (pelo menos nalgumas zonas) mas de coisas tão banais para nós como os cabelos, os braços, as pernas? Que nestas mulheres nunca foram vistas por outro homem, que nenhum outro olhará. Como se sentirão? Os nossos amigos são educados, esclarecidos, falam línguas e viajam – o marido conversa connosco durante todo o jantar, está à vontade, cumprimenta-me, toca-me, fala-nos dos seus momentos preferidos: - Fumar shisha no terraço, tê-la a dançar para mim. Ela baixa os olhos e retira-se, envergonhada. Á saída do hotel passa por nós uma mulher envolta em panos brilhantes, verde esmeralda, a cabeça de Telmo segue-a. Ah! Homens!

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